sábado, 11 de junho de 2016

Um lugar chamado meu quintal.

         Todo mundo, ou quase,  gosta de ter o seu lugar especial.
         Aquele que faz centrar, pensar, extravasar, se sentir bem, se conectar a si mesmo.
         Eu tinha o meu. 
         Um lugar simples. Não era só meu, mas eu era só dele quando ali estava.
         Era o meu quintal.
        Tínhamos um quintal lindo, grande, com muitas árvores frutíferas, sombra e acolhedor.
         Lá tinham árvores da época que meu pai comprou, como o frondoso abacateiro que só veio dar frutos depois de quase 20 anos e os cajueiros que minha avó plantara quando meu irmão caçula nasceu. Goiabeiras que gostávamos de nos pendurar( cada um de nós tinha o seu e minha mãe tinha o de goiaba "da branca"), muitas "touceiras" de açaizeiros, cupuzeiros lindos (quando chegava época, fazíamos competição de quem achava mais cupuaçu e decidia o que fazer com ele: suco ou creme), pé de carambola que era até docinho...
             Meus pais sempre plantavam "integrantes novos" que ganhavam de presente de outras pessoas. E assim, o quintal ia se renovando.
         Mas o que eu mais gostava mesmo era de andar de bicicleta, sempre que podia, lá estava eu, pedalando pelo quintal, criando marcas na areia dele. Se eu tivesse feliz, triste, chateada, aborrecida, sempre passeava por ele. Era bom pra refletir e repensar em minhas caraminholas de adolescente.
          Gostava de andar depois daquela chuva boa e característica de Belém. A terra molhada, os galhos encharcados batendo em mim, quando passava por eles ou quando balançava as árvores. Pedalava até escurecer. Não tinha nada melhor.

           Também gostava de caminhar nele, especialmente, após o almoço por suas sombras. Meus pais iam junto também. 
           Áreas verdes são as minhas preferidas sempre. Na antiga casa da minha vó, também tinha um quintal módico, mas lindo e cuidado por ela, o amor dela por plantas é infinito. Acho que por isso que também gosto. Lá também era um lugar.
             O sítio dela era o máximo, um lugar que era o meu refúgio também. Local lindíssimo e a companhia dos meus primos e tios me renovavam sempre.
              Lugares verdes da cidade, então me fazem me perder ou na verdade, me encontrar. Desde sempre estive neles, praças, bosques, parques. Isso me envolve completamente.
               
               Dizer que sinto falta do meu quintal é "chover no molhado". Meu pai, há mais 10 anos atrás precisou vender uma parte dele. Era o preço do progresso, como ele sempre dizia. Resoluto. Mas quando vê as fotos antigos do lugar, até se emociona. Ainda bem que tiramos algumas fotos, fica a recordação de uma infância vivida, de muitas histórias, brincadeiras, reuniões de família, churrascos, aniversários... Agradeço a Deus por tantos momentos maravilhosos lá...
                Sempre soube e hoje mais que nunca que lugar mais especial, era o meu quintal. 
              



domingo, 5 de junho de 2016

As saudades de Clarice

Saudades
Sinto saudades de tudo que marcou a minha vida.
Quando vejo retratos, quando sinto cheiros,
quando escuto uma voz, quando me lembro do passado,
eu sinto saudades...

Sinto saudades de amigos que nunca mais vi,
de pessoas com quem não mais falei ou cruzei...

Sinto saudades da minha infância,
do meu primeiro amor, do meu segundo, do terceiro,
do penúltimo e daqueles que ainda vou ter, se Deus quiser...

Sinto saudades do presente,
que não aproveitei de todo,
lembrando do passado
e apostando no futuro...

Sinto saudades do futuro,
que se idealizado,
provavelmente não será do jeito que eu penso que vai ser...

Sinto saudades de quem me deixou e de quem eu deixei!
De quem disse que viria
e nem apareceu;
de quem apareceu correndo,
sem me conhecer direito,
de quem nunca vou ter a oportunidade de conhecer.

Sinto saudades dos que se foram e de quem não me despedi direito!

Daqueles que não tiveram
como me dizer adeus;
de gente que passou na calçada contrária da minha vida
e que só enxerguei de vislumbre!

Sinto saudades de coisas que tive
e de outras que não tive
mas quis muito ter!





Sinto saudades de coisas
que nem sei se existiram.

Sinto saudades de coisas sérias,
de coisas hilariantes,
de casos, de experiências...

Sinto saudades do cachorrinho que eu tive um dia
e que me amava fielmente, como só os cães são capazes de fazer!

Sinto saudades dos livros que li e que me fizeram viajar!
Sinto saudades dos discos que ouvi e que me fizeram sonhar,

Sinto saudades das coisas que vivi
e das que deixei passar,
sem curtir na totalidade.

Quantas vezes tenho vontade de encontrar não sei o que...
não sei onde...
para resgatar alguma coisa que nem sei o que é e nem onde perdi...

Vejo o mundo girando e penso que poderia estar sentindo saudades
Em japonês, em russo,
em italiano, em inglês...
mas que minha saudade,
por eu ter nascido no Brasil,
só fala português, embora, lá no fundo, possa ser poliglota.

Aliás, dizem que costuma-se usar sempre a língua pátria,
espontaneamente quando
estamos desesperados...
para contar dinheiro... fazer amor...
declarar sentimentos fortes...
seja lá em que lugar do mundo estejamos.

Eu acredito que um simples
"I miss you"
ou seja lá
como possamos traduzir saudade em outra língua,
nunca terá a mesma força e significado da nossa palavrinha.

Talvez não exprima corretamente
a imensa falta
que sentimos de coisas
ou pessoas queridas.

E é por isso que eu tenho mais saudades...
Porque encontrei uma palavra
para usar todas as vezes
em que sinto este aperto no peito,
meio nostálgico, meio gostoso,
mas que funciona melhor
do que um sinal vital
quando se quer falar de vida
e de sentimentos.

Ela é a prova inequívoca
de que somos sensíveis!
De que amamos muito
o que tivemos
e lamentamos as coisas boas
que perdemos ao longo da nossa existência...

Clarice Lispector